Estudo realizado sem conflito de interesses.
Objetivo:
Avaliar os efeitos de alguns probióticos na doença hepática gordurosa não alcoólica ultrassonográfica e bioquímica (DHGNA).
Introdução:
A doença hepática não alcoólica é um distúrbio crescente em crianças e adolescentes, sendo que nenhum tratamento médico é aprovado para o tratamento pediátrico de DHGNA.
Na interação fígado-intestino, a microbiota intestinal tem um impacto significativo no acúmulo de gordura intra-hepática. Intervenções no estilo de vida dos pacientes são estratégias de tratamento e prevenção de primeira linha para o tratamento tanto da obesidade como DHGNA, sendo o uso de probiótico complementar a essa estratégia. Como crianças e adolescentes tem baixa adesão a mudanças no estilo de vida devido ao impacto social, alguns estudos indicam combinar intervenções de educação nutricional, intervenções farmacológicas e suplementação dietética (onde se introduz o uso de probióticos). Sem a nutrição adequada desse paciente, o uso do probiótico isolado não garante o regresso da doença.
Métodos:
Ensaio clínico randomizado triplo-cego controlado por placebo, realizado em
2014.
Critérios de elegibilidade: ter entre 10 e 18 anos, ter IMC e percentil 85 indicativos de obesidade, exame de DHGNA positivo. Aqueles com outra hepatopatia crônica, história de consumo de álcool, uso crônico de medicamentos ou alergias ao medicamento não foram incluídos.
O acompanhamento do estudo foi feito por meio de exame de sangue e ultrassonográfico do fígado. A alocação dos pacientes para cada grupo foi realizada por algoritmo em computador, de forma que investigadores, participantes e equipe estatística não sabiam o que estava sendo administrado para cada grupo durante o estudo.
No grupo de medicação, foi usada 1 cápsula diária por 12 semanas, contendo:
- Lactobacillus acidophilus (3 x 109 unidades formadoras de colônia)
- Bifidobacterium lactis (6 x 109 unidades formadoras de colônia)
- Bifidobacterium bifidum (2 x 109 unidades formadoras de colônia)
- Lactobacillus rhamnosus (2 x 109 unidades formadoras de colônia)
Esse medicamento foi escolhido por demonstrar efeitos benéficos para problemas gastrointestinais na experiência clínica dos investigadores. Os mesmos valores de contagem dessas substâncias probióticas podem ser encontradas na indústria de bebidas, sendo a maioria encontrada em 2 x 109 unidades formadoras de colônia.
No grupo placebo, foi usada 1 cápsula diária de placebo por 12 semanas, idêntica à cápsula probiótica em tamanho, cor e caixa, de forma que não pudessem distinguir.
Ambos os grupos foram encorajados a aumentar sua atividade física, diminuir tempo de tela (tvs, celulares), ingerir frutas e legumes, diminuir o consumo de fast food, refeições gordurosas, lanches e doces.
Peso, altura, adesão à ingestão dos medicamentos foram verificados mensalmente. No início e fim do estudo, foi realizado exame antropométrico, físico, laboratorial e ultrassonográfico em todos os participantes com o intuito de comparar concentrações de enzimas hepáticas, grau de esteatose e medidas antropométricas.
As 64 crianças e adolescentes foram divididas em 2 grupos de 32, com idade, sexo, características antropométricas, medidas bioquímicas e exame radiológico semelhante. Nenhuma mudança significativa para peso, IMC e escore Z do IMC no final do estudo.
Resultados:
No grupo intervenção, 17 (53,1%) pacientes apresentaram sonografia hepática normal após o teste, enquanto no grupo placebo, apenas 5 (16,5%) pacientes.
O nível de enzimas hepáticas do grupo intervenção também caiu em comparação ao grupo placebo (AST: de 32.2 U/L evoluiu para 24.3 U/L; e ALT: 32.8 U/L evoluiu para 23.1 U/L). No começo do estudo, 14 pacientes do grupo intervencionista tinham ALT e AST alteradas (marcadores de lesão hepática), e ao final do estudo apenas 5 pacientes permaneceram em níveis anormais (78% melhoraram). ALT se tornou normal em 9 participantes, 7 destes diminuíram a classificação ultrassonográfica de DHGNA.
Níveis de triglicérides e LDL não apresentaram diferença em ambos os grupos, mas o nível de colesterol foi maior no grupo de intervenção no início do estudo. Já no fim do estudo, níveis séricos de colesterol, triglicérides e LDL diminuiu significativamente no grupo intervenção (Colesterol: de 157.31 mg/dL evoluiu para 145.06 mg/dL; HDL: de 46,25 mg/dL evoluiu para 46.75 mg/dL; LDL: 87.93 mg/dL evoluiu para 81.65 mg/dL; e triglicerídeos: 112.53 mg/dL evoluiu para 100.56 mg/dL) enquanto que no grupo placebo, só houve diminuição das triglicérides (de 96.03 mg/dL para 91.87 mg/dL).
Discussão:
Este suplemento teve efeito de melhoria nas variáveis estudadas, principalmente nas enzimas hepáticas e ultrassonografia da DHGNA. Evidências recentes apontam que a microbiota intestinal contribui para o desenvolvimento da DHGNA através do eixo fígado-intestinal. Estudos de revisão que avaliaram o efeito de probióticos no tratamento da DHGNA tiveram resultados consistentes com o deste estudo, embora poucos ensaios clínicos tenham sido encontrados na população humana e especialmente pediátrica.
A composição usada teve efeito de diminuição da circunferência da cintura, porém não no peso e IMC. Efeito hipolipemiante também foi relatado em outros estudos com animais e humanos.
Os efeitos foram favoráveis no perfil lipídico dos participantes: redução das concentrações de colesterol, LDL e triglicérides, já o HDL foi sugerido que possa aumentar após tratamento prolongado. O nível de triglicerídeos teve diminuição no grupo placebo, mas associada às recomendações de mudança de estilo de vida.
Limitações do estudo:
Tamanho da amostra, curta duração e a não avaliação dos fatores inflamatórios. Não foi avaliada diferença entre sexo dos participantes. Cápsula utilizada foi uma mistura de 4 cepas probióticas. Para resultados mais precisos, foi sugerido avaliar uma única cepa e realizar um estudo cruzado (incluindo um período de pausa do consumo) para avaliar a microbiota intestinal. Biópsia hepática não considerada por ser um procedimento invasivo.
O estudo fez recomendações de hábitos saudáveis que podem alterar os resultados da avaliação do probiótico.
Conclusão:
O uso do próbiotico administrado pode ser eficaz na melhoria dos marcadores substitutos da DHGNA e do perfil lipídico. A redução na classificação ultrassonográfica da DHGNA ocorreu paralelamente à diminuição do nível médio das enzimas hepáticas.
Recomenda-se novos estudos com maior duração e maior tamanho amostral.
Famouri F, Shariat Z, Hashemipour M, et al. Effects of probiotics on nonalcoholic fatty liver disease in obese children and adolescents. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2017;64:413–7